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29 de junho de 2012

A rapidez da Justiça brasileira

Para julgar improcedente greve de funcionário público que mal ganha pra sobreviver, a gloriosa "Justiça" brasileira é extremamente rápida, eficiente. Para mandar reintegrar posse de latifúndio improdutivo? No mesmo dia. Para aprovar aumento de salário para juízes então, mal você piscou, já era!

Mas quando é para assegurar um direito do cidadão comum, aquele que vota (acorda Brasil), paga impostos, espera meses por um atendimento médico, não tem escola de qualidade e apanha da polícia se abrir a boca, parece que o nosso Poder Judiciário não tem tanta pressa assim.

Não sejamos parciais, claro que a ação judicial não data do acidente em Goiânia, mas o que é questionado aqui é não somente o tempo do trâmite processual, mas todo o contexto que envolve o reconhecimento de um direito de uma cidadã brasileira.

25 ANOS PARA SONHAR COM INDENIZAÇÃO

Na segunda-feira desta semana a Justiça Federal em Goiás condenou o Governo Federal e a Comissão Nacional de Energia Nuclear ao pagamento de uma indenização de fantásticos R$ 11,04 por dia que uma das vítimas do acidente radioativo em Goiânia sofreu em  13 de setembro de 1987 viveu desde então. Na fotografia, cápsula de concreto e chumbo feita para conter a radiação após o acidente.

O número ridículo aqui apresentado pode parecer irreal, mas não é, ele considera a divisão de 100 mil reais, que é o valor da condenação, por 9.053 dias, tempo decorrido entre o acidente com o Césio-137 e a sentença judicial. Daria mais ou menos para a vítima comer um marmitex e dois ou três pães e beber um litro de leite por dia. Dinheirão!

Suely de Assis da Cunha é a primeira entre as pessoas atingidas pela contaminação a ganhar na Justiça o direito a indenização e mesmo assim apenas por danos morais e mais: a União e o CNEN ainda podem recorrer. Acredite! 

Depois de exposta à radiação, Suely desenvolveu várias doenças que se agravaram com o tempo e só no ano de 2009 ela conseguiu uma pensão alimentícia que a ajuda a sobreviver, com outros membros de sua família também adoecidos.

Após o acidente com o Césio-137, o governo de Goiás criou um órgão para dar assistência às vítimas, recebendo o nome de "Superintendência Leide das Neves Ferreira", em homenagem à menina de seis anos (foto) que ingeriu o material radioativo e morreu no dia 23 de outubro do mesmo ano, sendo sepultada em caixão de chumbo.

Comenta-se que o então governador Henrique Antonio Santillo (PMDB), que era médico e chegou a ser Ministro da Saúde no governo de Itamar Franco, tentou minimizar o problema, tentando esconder da população a dimensão da tragédia em que mais de 100 mil pessoas foram expostas à contaminação por radiação nuclear.

Assim escreve seu ex-secretário sobre ele em um blog de seu irmão Adhemar Santillo: "Henrique Antônio Santillo. Henrique com 'h' de honestidade, honra, hombridade, humildade, humanismo. Antônio com 'a' de austeridade, amizade, amor, afeto. Santillo com 's' de seriedade, sabedoria, serenidade, solidariedade. Grande homem." Santillo faleceu em 26 de junho de 2002, mas não foi por causa do Césio 137.

COMO FOI O ACIDENTE

Três catadores de material reciclável acharam nos escombros de um antigo hospital uma peça de equipamento de radiografia, no dia 10 de setembro de 1987 e resolveram desmontá-la, sem saber do perigo que corriam. A peça com 304 Kg de chumbo, 120 Kg de blindagem e platina renderia uns bons trocados aos catadores. Eles a venderam para um depósito de ferro-velho no dia 18 e a golpes de marreta, foi concluída a desmontagem do trambolho.

O dono do depósito achou um pozinho branco parecendo sal dentro da cápsula e ficou boquiaberto. O pó ficava azul brilhava no escuro. Fantástico! No dia seguinte ele levou um pouco do pó para casa e até deu de presente para parentes a amigos. Crianças passavam no corpo e a menina Leide, sobrinha dele, comeu pão com as mãos sujas pelo pó mágico,  19,26 gramas de Cloreto de Césio-137 (CsCl).

Apenas no dia 28 de setembro, quando a esposa do comerciante desconfiou que os problemas de saúde que surgiram na família tivesse alguma relação com o pó sobrenatural, levou uma amostra dele na Vigilância Sanitária e só no dia seguinte os técnicos detectaram radiação no material. Bombeiros quase jogaram o pó em um rio.

O Governo mandou policiais e bombeiros para a área do acidente, sem nenhuma proteção contra radiação e a CNEN contratou uma empreiteira para ajudar no trabalho, com cerca de 200 trabalhadores igualmente sem preparo e sem proteção. As casas e pertences das pessoas doentes foram destruídos e deixados a céu aberto em Abadia de Goiás. No fim de outubro começam as mortes. Leide foi a primeira.

Ninguém sabe o número exato de pessoas que morreram em consequência do acidente, muito menos das que adoeceram. Foi o pior acidente radiológico da história acontecido fora de usinas nucleares. A Associação de Vítimas do Césio-137 estima em mais de 6 mil as pessoas diretamente atingidas pela contaminação.

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